segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ESPELHO TURVO DA ALMA DE PORCELANA

Já falei algumas vezes da minha cristaleira, e do que guardo dentro dela. O que talvez vocês não saibam é que minha cristaleira tem um espelho no fundo, já todo pipocado, com as bordas escurecidas pelo tempo. É uma cristaleira antiga, feita para passar de geração em geração. Poderia ter trocado o espelho quando a ganhei, mas não o fiz. Sabem por que? Porque aquele espelho já refletiu muitas almas de porcelana, como reflete a minha agora. Posso discorrer horas sobre esse assunto. Afinal, a imagem refletida foi tema de um grande amor da minha vida... meu mestrado. Mas não quero teoria agora. Quero sentimento e vida. Seria o mesmo que pegar um bebê no colo e, ao olhar os olhinhos dele, dizer pomposamente... “Winnicott descreve o teu olhar como busca da certeza da tua própria existência”. Pouco importa o grande psicanalista que foi Winnicott, ou tudo que ele brilhantemente escreveu. Isso mataria o bebê que está vivendo aquele momento com toda intensidade que só um bebê é capaz de viver... mataria a essência dele... e a própria certeza de sua existência. O que faz aquele olhar ter sentido para o bebê não é a teoria (que poderia ter sido proposta por outros autores e outras abordagens) mas sim o fato de que aquele olhar é um olhar procurado, esperado e desejado. É um olhar que explica o que não tem explicação.
Difícil? Não, todo mundo sabe isso nas entranhas. É uma certeza. Eu preciso do olhar do outro que me confirma o que vejo no espelho da minha alma. Minha auto-estima está ligada à aprovação do olhar do outro. Minha vaidade é assegurada pela aprovação do outro. Meus erros são marcados pelo olhar do outro. Mas não posso viver em função disso, porque isso é a própria estagnação e morte do ser humano. É como se eu entrasse na minha cristaleira e me contentasse apenas com a minha imagem no espelho escurecido de minha história. Por isso não troquei aquele espelho escurecido da cristaleira antiga... porque ele fala muito mais do que eu posso ouvir. Ele fala de mim, fala de você, fala da própria experiência de ser. Fala do pensar e com isto me faz pensar.
Eu conheço pessoas que passam a vida procurando um espelho. Procurando o próprio reflexo de sua existência na aprovação e no olhar do outro. Mas não é qualquer reflexo que lhes serve...  apenas o reflexo que não o tire da zona confortável do não pensar. E assim seguem a vida, trocando de espelho sempre que alguma marca escurecida de história começar a turvar sua visão, forçando a olhar para dentro de si mesmo, para dentro da sua cristaleira. É em vão tentar lavar esse espelho, assim como é em vão tentar “lavar a alma” com a bebida, com trabalho ou com emoções transversas. Não se lava a alma da porcelana. Apenas se lava a sua superfície. Mas algumas marcas ficam, independente da água e sabão. 
E o espelho turvo, com as bordas escurecidas, está lá, ao fundo da minha também envelhecida cristaleira. Envelhecida mas não velha, pois o tempo apenas a torna mais bonita, rica e interessante. Mesmo num tempo em que os números falam mais alto que a experiência... mesmo  num tempo em que se tenta desesperadamente trocar de espelho para não ver a própria historia desfilando na frente dos olhos, no fundo da cristaleira. Mesmo nesse tempo de emoções imediatas e passageiras em que as pessoas não buscam mais a própria existência no olhar do outro com medo de ter que devolver o olhar... e se envolver. Mesmo assim, o espelho turvo com as bordas envelhecidas está lá. E num momento qualquer a própria vida se encarrega de mudar tudo... a visão fica turva e é necessário parar, rever conceitos, revisitar a cristaleira antiga e suas marcas estarão todas lá... tingindo de vida e sentido sua alma de porcelana. E o espelho turvo com bordas escurecidas de vida passa a refletir exatamente tudo o que preciso... experiência, crescimento e vida... muita vida!

Um comentário:

  1. Cladis,

    Vi as suas estrelinhas vagando em se blog. rss


    Bonitinha!!!

    Por enquanto,...Meus Parabens!!!

    Drummond Aguiar

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