quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A XÍCARA E O CHÁ

Na minha cozinha tem uma caixa feita de palha trançada muito bonita, que ganhei em uma de minhas viagens para Belo Horizonte. Um grupo de pessoas especiais me presenteou após alguns dias de trocas de experiências que alguns chamam de trabalho. Esta caixa veio recheada de coisas boas, típicas do povo mineiro sempre acolhedor e extremamente caloroso. Os doces e bebidas acabaram rapidinho e ficou aquela linda caixa na minha cozinha, guardiã das minhas recordações de Minas. Agora ela tem um lugar de destaque e uma função ímpar. Passou a ser a guardiã de aromas e sabores... meus chás! Adoro chá! Tenho vários, de vários tipos, marcas, sabores e lugares. Me encanta a variedade, a beleza e a simplicidade do chá. O prazer de tomar uma xícara de chá é único. Faço disto um ritual de auto-contemplação e encontro comigo mesma. Algumas pessoas já tomaram chá comigo, outras me acham meio maluca ou fresca demais e me retribuíram o convite do chá com uma convocação para tomar uma cerveja redentora de minha loucura. Mas eu creio que são situações diversas, tem o momento do chá e o momento da cerveja. Posso abrir mão da cerveja, mas não abro mão do chá.
Ontem a noite, chegando em casa depois da uma longa e pensativa caminhada, tomei um banho relaxante e libertador. Preparei a mesa do chá... escolhi a toalha, a xícara e abri cuidadosamente minha caixa de chás. Percebi naquele momento que eu sempre tomava o mesmo chá, um chá de sabor e aroma conhecidos e muito apreciados. O mesmo chá de marcas diferentes, por vezes composto de outras ervas, mas o sabor que eu conhecia e buscava estava ali, e eu o reconhecia sempre. Fiz algumas tentativas com novos sabores, mas sempre voltava para o mesmo chá. Minha xícara de porcelana e aquele chá.
Mas ontem não. Ontem cheguei em casa querendo outro sabor e outro aroma. Outra cor naquela xícara de porcelana branca. E busquei em minha caixa de palha trançada, guardiã de aromas e sabores, um chá novo. Não queria algo totalmente novo, acho que depois de tanto tempo isso seria difícil de encontrar na minha caixa-guardiã. Mas queria algo diferente, marcante e único naquele momento. Lembrei de uma caixa de chá ainda fechada, uma caixa de chá de laranja com cravo e canela que sempre sorria para mim quando abria a caixa-guardiã de aromas e sabores. E por que não? E naquela mesa cuidadosamente preparada minha xícara de porcelana branca encontrou o chá de laranja com cravo e canela. Um encontro tímido mas muito prazeiroso. Experimentei  o prazer da mudança, o prazer da página virada, o prazer de me permitir uma pequena abertura para o novo.
E assim o encontro da xícara de porcelana branca com o chá de laranja com cravo e canela finalmente aconteceu. Numa aproximação lenta e cuidadosa, fui me deixando tocar pelas sensações que aos poucos fui reconhecendo como já sonhadas. Talvez porque as sensações sejam recriadas a partir de outras sensações que já experimentamos antes. Ou são evocadas de nossos desejos. Ou simplesmente elas nos pertencem desde sempre. Sei lá, não importa de onde elas vieram. Elas simplesmente estavam ali. E fui me deixando tocar pelo aroma marcante de cravo e canela que sempre me fascinou. Fiquei alguns minutos apenas me permitindo esse momento...
Tentei em vão recriar essa imagem em palavras. Não foi possível, ainda não está fixada, registrada de forma suficiente em minha alma de porcelana. Talvez seja um momento único, para ser lembrado apenas. Não importa. Com certeza nos deixamos tocar por pouca coisa, suficiente porém para marcar o momento como um beijo inocente do encontro da xícara de porcelana branca com o chá de laranja com cravo e canela.
Cladismari Zambon

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