O que te tira do sério?
Perdi a conta de quantas vezes fiz essa pergunta no
consultório, na universidade, em entrevistas de seleção. É uma perguntinha
simples, que sempre guardei na manga, para ser colocada na mesa na hora certa,
como uma carta coringa num jogo. Pois bem, chegou a minha vez de responder a
essa pergunta.
Eu sempre disse para mim mesma (e para todos que em algum
momento me devolveram a pergunta) que dificilmente algo me tira do sério, que
eu até fico meio triste, meio brava e pensativa, mas logo me recomponho e me
fortaleço. Pois é, mas algumas coisas me tiram do sério sim, e por mais que eu
tente minimizar o efeito delas, elas existem e me provocam sentimentos diversos.
Fazem emergir uma parte passional que eu não gostaria de deixar vir à tona. Mas...
eu sou de carne, osso e SENTIMENTO! Por vezes mais carne e osso (realista e
racional), outras vezes quase só sentimento. E quando toca nessa parte...
Mas vamos parar de rodeios sentimentais e tentar
falar de forma organizada (e racional) sobre este sentimento de perda de
controle. O que me tira do sério?
Se é para falar de sentimentos que quase nunca permito
emergir, vou servir um chá com uma xícara que quase nunca tiro da cristaleira.
É um joguinho de seis xícaras muito antigo, de uma porcelana irregular, sem o
acabamento impecável das xícaras que costumo servir chá aqui para vocês. Mas é
uma porcelana antiga, cheia de histórias, aquelas histórias que costumamos
guardar sem muito pensar pois são difíceis de assimilar. E tudo que é
guardado... volta em algum momento. O que é passado deveria ficar no passado,
certo? Mas ele é teimoso, se você simplesmente jogar para o fundo da
cristaleira, ele teima em aparecer em primeiro lugar aos olhos, insolente,
irritante, até que você tire da cristaleira, limpe o pó, dê um novo sentido e
um novo lugar.
Acho que está ficando claro o que me tira do sério... coisas mal
resolvidas!
Vamos ao chá? A xícara está posta sobre uma mesa bonita, com
uma toalha feita de retalhos coloridos. Retalhos de tecidos que formam um belo
desenho. Gosto muito desta toalha, feita pelas mãos caprichosas de uma artesã mineira
que não conheço, mas passei a admirar. Fiquei em dúvida com relação ao chá, quem
sabe você me ajuda escolher... chá de boldo, forte e digestivo, de sabor amargo... um remédio poderoso das nossas avós. Ou chá de erva doce, de aroma
delicioso, de sabor adocicado, que acalma os bebês e suas mães em noites mal
dormidas. Acho que o momento é de chá de boldo seguido de chá de erva doce...
primeiro digerir e depois acalmar. E aquilo que estava mal resolvido... enfim ganha
espaço novo na cristaleira de minhas emoções.
Quantas vezes você escondeu dos
seus olhos o que não estava pronto para enfrentar? Conseguiu? Por quanto tempo?
Tome chá de boldo... o remédio milagroso para digerir qualquer coisa. E por favor...
não coloque sobre outra pessoa a responsabilidade da sua vida, ela já tem a
própria cristaleira para cuidar.
Eu posso dizer hoje que poucas coisas mal
resolvidas me incomodam em minha cristaleira. Mas... tentar colocar uma xícara
que nunca me pertenceu para dentro de minha experiência... isso fere minha alma
de porcelana. Posso servir o chá e refletir com você... mas suas respostas você
vai ter que encontrar... As marcas de
vida em minha alma de porcelana são só minhas.
Aproveite o momento e abra sua cristaleira, tire o pó de sua
alma de porcelana, avalie o que faz sentido e o que não deve mais fazer parte
de sua vida, guarde o que realmente tem valor e... principalmente... assuma a
responsabilidade sobre as suas escolhas. Chá de boldo é um santo remédio!
Só não tente colocar nada que você não consegue resolver na
cristaleira dos outros... ISSO ME TIRA DO SÉRIO!
Cladismari Zambon
Obrigado por dividir a escolha do chá. Walter
ResponderExcluirHoje aproveitei para reler este seu magnífico texto, porém de outro ângulo.
ResponderExcluirNossas "leituras" mudam de acordo com a fase em que atravessamos em nossa vida, e você conseguiu aqui chegar ao ápice de um impasse único.
O mais importante de tudo: é uma decisão solitária e individual, cabe somente a mim definir minhas escolhas.
Acho que hoje, hoje mesmo, estou terminando minha xícara de chá de boldo. Sem esmorecer tomo-o até o fim, pois é necessário para a digestão, para digerir, e então sentir-me bem para degustar de forma prazerosa o chá de erva doce.
Obrigada por suas palavras!
Beijos,
Suzane Monteiro
profundo gostei , estou me fazendo esta pregunta rsrsrs
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