terça-feira, 3 de janeiro de 2012

RECEITA DE PÃO

Hoje, quase no fim do meu dia, uma pessoa me disse algo que soa simples, mas muito difícil de viver. Uma pessoa que generosamente mandou um email comentando um dos meus textos: “Viver um dia de cada vez...Mas, não é este o segredo da Vida?“ 
Simples assim...  Talvez pela simplicidade seja quase impossível. Afinal, o que é simples não nos chama tanto atenção. Temos especial interesse pelas coisas complexas, complicadas e rebuscadas. Como diria Joãosinho Trinta... “quem gosta de pobreza é intelectual, pobre gosta de luxo”. Quanta sabedoria nestas palavras...
Pois bem... eu que gosto de complicar as coisas (mania de pensar demais, dá nisso) empresto essa sabedoria da simplicidade carnavalesca e me arrisco a dizer: o pobre “de espírito” tem que enfeitar coisas, roupas e palavras... precisa do luxo. Tudo aquilo que de alguma forma sirva para deixar a pobreza interior menos evidente e menos visível. Quem não tem o que dizer, se cobre de tudo o que é bonito aos olhos e aos ouvidos, mesmo que sejam palavras totalmente desprovidas de sentido ou de verdade. E o pobre “de espírito” adora isso. Já quem gosta da simplicidade é justamente aquele que não procura o superficial, o esteticamente produzido para encher os olhos e os ouvidos... Quem gosta de simplicidade aprecia o que faz sentido. O que faz bem a alma é justamente o que  desassossega, o que faz pensar e, portanto, faz sair do lugar. O que faz pensar é definitivamente um luxo! Que paradoxo interessante entre riqueza e pobreza. Preciso da simplicidade para encontrar a riqueza. E preciso da riqueza para ocultar minha pobreza.  E onde fica a felicidade?
Freud é bem reticente quando fala de felicidade. Ele ousou romper com a idéia judaico-cristã ao dizer que o homem padece de uma infelicidade eterna pois, para viver de acordo com o que é ditado pela cultura, deve abrir mão de satisfazer seus anseios.  Pagamos um preço muito caro pela “civilização”. Minha avó dizia isso de forma mais simples... “o homem é um eterno insatisfeito”. Portanto, não ouse pensar pois isso tira o sossego e te joga para dentro do nada. O preço do pensar é a angústia. Mas eu penso mesmo assim, sou impertinente e teimosa. Quase uma pedrinha no sapato de quem gosta de amortecer a consciência. Penso no quanto é difícil suportar a angústia do outro. Vamos enfeitar de plumas e paetês farmacológicos a angústia pois assim não nos deparamos com a dura realidade de nossa pobreza interior.
Mas quem está livre disso? A resposta é uma só: ninguém! Porque viver com simplicidade é algo impossível pela sensação de falta inerente à experiência de ser gente no meio de outras gentes. E digo isso justo no momento em que todos estamos cheios de esperança, planos e projetos. Precisamos disso e realmente somos isso. Projetos renovados nos dão a sensação de mudança. Eis aí mais um paradoxo... mudar dá medo. 
Vou contar uma historinha... faz tempo que não conto minhas histórias. É a história de um pão caseiro, simples, cheiroso e delicioso. Um pão amassado com as mãos de uma pessoa que faz disso um verdadeiro ritual. Um pão que recebi das mãos de uma senhora de 75 anos a quem vou chamar de Dona Joana. Ela poderia se chamar Maria, Ana, Chica, Luiza, não importa o nome. Importa o pão e as mãos simples e firmes que generosamente o amassaram. Pois bem... foi num final de tarde num daqueles dias difíceis que deixam marcas na alma de porcelana. Um daqueles dias em que tudo parece cinza, que nem brilhos e paetês numa maquiagem de última hora são capazes de disfarçar o cansaço e o desânimo. Tenho certeza que todos sabem do que estou falando pois esses dias não escolhem apenas a minha cristaleira para acontecerem. Um dia realmente difícil. E chega Dona Joana, de mansinho, sorriso nos lábios e olhar maternal. Trazia um pão enrolado num pano-de-prato bordado em ponto cruz. Era sexta-feira, próximo do dia das mães, e ela bordou o pano com os dizeres: “Feliz dia das Mães”. Me entregou o pão enrolado no pano-de-prato, sorrindo, e disse... “Fiz para você que muitas vezes me fez lembrar da minha mãe”. A simplicidade é realmente um luxo, posso garantir! Quanta generosidade e sabedoria neste simples gesto? Por que é tão difícil receber a angústia do outro se ela é igualzinha a minha? A resposta Dona Joana tinha naquele pão enrolado num pano-de-prato. Com 75 anos era capaz de receber a mim, humildemente, como alguém que poderia pegá-la no colo, como sua mãe. E devolver isso com toda sabedoria e experiência. Com conhecimento e simplicidade. Alguém capaz de dizer que amassou o pão com as próprias mãos, bordou o pano com a sensibilidade e sorriu com a simplicidade de quem já passou por todas as dores do mundo. Naquele dia aprendi a valorizar um simples gesto como o luxo verdadeiro do conhecimento. Sim... quem gosta de luxo é intelectual, é alguém que realmente sabe e vive intensamente, que tem conhecimento suficiente para abrir mão do lixo que mascara os sentimentos que efetivamente transformam sofrimento em vida. E como diria meu amigo no email, alguém que aprendeu a  “Viver um dia de cada vez” pois  “este é o segredo da Vida“!
Sim, viver um dia de cada vez, e aprender a amassar o pão, a bordar ponto cruz, a sorrir com os olhos e a receber com o coração. Este é o segredo da vida. Aprender a viver um dia de cada vez, com o luxo da simplicidade, é hoje meu único projeto de vida.
Alguém tem uma receita de pão caseiro para acompanhar minha próxima mesa de chá?
Cladismari Zambon

Um comentário:

  1. Cladis,
    Hoje mesmo eu falava com uma amiga respeito,do quanto é complexo os seres,que as vezes mesmo querendo agradar conseguem fazer o desagrado alheio,mesmo querendo tentar entender uns aos outros,não conseguimos,nem sempre as sintonias verbais ou expressões são interpretadas da forma que deveria.Lendo seu texto começo a lembrar da minha infância e penso que nem o pão que feito todos os dias por minha mãe que há anos faz a mesma receita,ele não fica igual,que não dá para querer que em nossas vidas as pessoas tenham sempre o mesmo comportamento,as mesmas atitudes,o mesmo carinho,nada é igual! Tem tempos que gostamos mais do azedo e outros do doce,ou aquele prato preferido que antes era e agora deixou de ser.O ciclo muda,os sabores e desamores também,a forma pode ser a mesma,e a receita,mas sempre sairá algo diferente.Na vida é assim,nossos dias só parecem ser os mesmos,as mesmas pessoas,mas sempre teremos algo de novo!bjs

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